A América Latina no olho do furacão:
o agravamento da crise orgânica do capital
na raiz da nova onda golpista em nosso continente
(Artigo
escrito por Roberto Bergoci para Conaicop BR em 03.01.2020)
A América Latina no olho do furacão: o agravamento da crise orgânica do capital
na raiz da nova onda golpista em nosso continente.
Toda análise mais profunda, que envolva a totalidade do modo de produção
capitalista, tem chegado a conclusões de que, tal regime entrou num longo
período de declínio, crises constantes e regresso civilizacional. A crise
profunda que hora vivenciamos na América Latina é um momento dessa totalidade,
manifesta em uma de suas cadeias mais débeis, que é justamente o capitalismo
dependente. Sem uma compreensão desse fenômeno em seu conjunto, fica impossível
entendermos o que de fato nos atinge em Nossa América.
A crise contemporânea que abala a sociedade burguesa em seu conjunto,
possuí um caráter dialético, pluri causal, como nos ensina Marx em seus três
livros que compõem O Capital: neste processo, vemos a combinação e ação
recíproca influir uns sobre os outros, os problemas estruturais que envolvem o
modo de produção capitalista, como superprodução, queda das taxas de lucro,
sobreacumulação, financeirização, etc; em suma, a manifestação da crise
de valorização do capital em sua organicidade. Este processo se torna ainda
mais dramático, sobretudo pelo fato de que, uma das características do
capitalismo atual é ter entrado numa fase de completo amadurecimento e
mundialização, onde deslocou já para quase toda parte do globo terrestre suas
contradições, como já teorizado por Rosa Luxemburgo em seu importante livro
“Acumulação de Capital”.
Na verdade, como disse o economista marxista Robert Kurz em um de seus
escritos: “Desde meados dos anos 1970 se multiplicam os sinais de uma séria
crise da reprodução do sistema mundial produtor de mercadorias. Taxas
declinantes ou estagnadas; desemprego em massa e ‘estrutural’ crescentemente
desacoplado dos ciclos conjunturais tanto nos países desenvolvidos da OCDE
quanto na periferia do mercado mundial [...] Tudo isso, por sua vez, é
superposto pela cada vez mais ameaçadora crise do ecossistema em escala
planetária: do “buraco na camada de ozônio” à destruição das florestas
tropicais da África e da Amazônia, da propagação das zonas desérticas à
contaminação das cadeias alimentares, da destruição dos sistemas ecológicos
internos como os do Mar do Norte, dos Alpes e do Mar Mediterrâneo até a
irreversível contaminação dos solos e da água potável etc.” (Robert Kurz, “A
Crise do Valor de Troca”). Dessa forma, em concordância com outros importantes
autores marxistas da contemporaneidade, podemos perceber que a atual crise, ao
contrário das anteriores correspondentes ao capitalismo em sua fase de ascenso,
atinge a totalidade do regime burguês.
O pensador revolucionário István Mészáros ensina que: “[...] a crise do
capital que experimentamos hoje é fundamentalmente uma crise estrutural. Assim,
não há nada especial em associar-se capital a crise. Pelo contrário,
crises de intensidade e duração variadas são o modo natural de existência do
capital: são maneiras de progredir para além de suas barreiras imediatas e,
desse modo, estender com dinamismo cruel sua esfera de operação e
dominação.”(István Mészáros, “Para além do Capital”). E um pouco mais à frente
Mészáros explicita a singularidade da atual crise que, segundo ele,
possui um caráter universalizante, atingindo todas as esferas da reprodução
social.
Pedindo já perdão ao leitor pelas longas citações-- que ao nosso juízo
são essenciais para uma melhor compreensão do que ocorre na América Latina,
tema de nosso texto-- segue Mészáros: “A novidade histórica da crise de
hoje torna-se manifesta em quatro aspectos principais:
(1) Seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera
particular (por exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele
ramo particular de produção[...];
(2) Seu alcance é verdadeiramente global (no sentido mais
literal e ameaçador do termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de
países (como foram todas as principais crises do passado);
(3) Sua escala de tempo é extensa, continua, se preferir,
permanente, em lugar de limitada e cíclica, como foram todas as crises
anteriores do capital;
(4) Em contraste com as erupções e os colapsos mais
espetaculares e dramáticos do passado, seu modo de se desdobrar poderia ser
chamado de rastejante, desde que acrescentemos a ressalva de que nem
sequer as convulsões mais veementes ou violentas poderiam ser excluídas
no que se refere ao futuro: a saber, quando a complexa maquinaria agora
ativamente empenhada na ‘administração da crise’ e no ‘deslocamento’ mais ou
menos temporário das crescentes contradições perder sua energia.”(Idem).
Pensamos que no geral, este seja o caldo de cultura do atual período de
instabilidade e golpes de Estado envolvendo praticamente todos os países
latinoamericanos. Isso não exclui, pelo contrário, se combina dialeticamente
com as características próprias dos países em nosso continente, marcados pela
dependência e subdesenvolvimento, tornando dessa forma os efeitos da crise
orgânica do capitalismo mundial muito mais perversos em nossa Grande pátria.
Instabilidade, golpes e geopolítica do caos: a América Latina e o imperialismo
diante da crise estrutural
Nesta nova etapa do capitalismo mundial, marcado pela hegemonia do
capital financeiro fictício, o padrão de acumulação que caracteriza os países
latinoamericanos é justamente o neoliberalismo. O padrão de acumulação
neoliberal é em si, a expressão da crise da produção de mais-valia, como
consequência dos processos de intensificação da automação industrial poupadora
de trabalho vivo, humano, o que Marx conceitualizou como o aumento da
composição orgânica do capital.
O regime neoliberal de acumulação trás em seu bojo, o incrível incremento
da superexploração dos trabalhadores, desemprego crônico, recrudescimento da
transferência de valor e de riquezas dos países dependentes para as metrópoles
imperialistas, pauperismo absoluto das massas trabalhadoras e das classes
médias, intensificação da marginalização e “lupenização” de vasta parcela das
massas populares e etc.
A América Latina vive entre os fins dos anos 1980 e inicio dos anos 1990,
sua primeira onda neoliberal. Na época, o continente estava marcado pela crise
da divida, fuga de capitais, desinvestimentos, grande estagnação econômica e
etc. O imperialismo estadunidense e toda gangue representante do grande capital
financeiro internacional e sua imprensa, aliados das oligarquias latinoamericas,
viam sérios riscos quanto às suas condições de lucros e espólio. Nascia assim o
famigerado Consenso de Washington, pilar da generalização
neoliberal-neocolonial em nossa região.
Este período se caracteriza entre outras coisas pelo assalto descarado
aos ativos estatais por parte das multinacionais, através das privatizações.
Boa parte das conquistas sócias foram destruídas pela via das “reformas
estruturais”: trabalhistas, previdenciárias, etc. Saindo dos sanguinários
regimes militares, o continente foi dominado pela ditadura do “deus” mercado,
onde nossos povos eram literalmente imolados nesse altar da barbárie.
Não tardou para que as revoltas operárias e populares colocassem um duro
freio a esse genocídio social. Venezuela, Argentina, Bolívia, Equador entre
outros países, foram sacudidos por verdadeiros processos de insurreições
e\ou explosões sociais, derrotando duramente os governos títeres da Casa
Branca. Na sequencia, o continente hegemonizado politicamente pelos
governos nacionalistas burgueses, colocaram certo freio nas políticas
neoliberais. O crescimento da economia mundial no período, sobretudo a ascensão
da China como importante ator e importador de matérias primas, estimulou
a valorização dos produtos agrominerais, importante base de exportação de
nossas economias dependentes.
Tal conjuntura “favorável”, permitiu relativa melhora nas contas
externas de nossos países, transformados em importantes concessões aos povos
trabalhadores e a pequena burguesia. No entanto, os pilares da dependência e do
subdesenvolvimento jamais foram tocados pelos chamados governos
“progressistas”. A submissão aos imperativos da divisão mundial do trabalho, a
superexploração da força de trabalho, a crônica transferência de valor e
riqueza para os países imperialistas não foram revertidos, apenas “aliviados”.
Em suma, as relações de exploração e opressão se mantiveram com algum freio,
mas em essência continuamos sendo países dependentes.
A América do Sul em particular, se distanciou relativamente do Consenso
de Washington, criando a ALBA, ou fortalecendo outros fóruns de integração
regional como o Mercosul. Além disso, houve no período uma importante
aproximação de países adversários dos EUA no âmbito geopolítico como Rússia e
China, além da constituição dos BRICS e sua relação com a América Latina, que
na prática, embora sua moderação, afrontava na região a odiosa hegemonia da
Casa Branca.
De forma muito sumária, podemos afirmar que tais fatores,
conjugados com a explosão em 2007-2008 de mais um momento da crise
estrutural do capitalismo mundial, foram determinantes para por fim ao período
que se inicia no começo dos anos 2000 em nosso continente, abrindo assim as
condições objetivas para a atual quadra de barbárie em nossos países.
O neocolonialismo imperialista e o Ascenso do fascismo
A América Latina vive atualmente um período de grande turbulência e caos
econômico, político e social. A intensificação da crise mundial capitalista é a
base do recrudescimento de todas as contradições que envolvem o capitalismo
dependente.
A burguesia imperialista e seus sócios menores na America latina tem
levado adiante, como resposta à crise, uma verdadeira reestruturação do
capitalismo em nosso continente: as formas políticas e jurídicas sustentáculos
dos regimes políticos, estão sendo transformadas, “adaptadas” dialeticamente às
novas necessidades de acumulação. Podemos dizer que um “novo” patamar de
acumulação, baseado num grau muito mais intenso de superexploração e dominação
neocolonial, esta sendo gestado em toda a América Latina.
Fatores geopolíticos de primeira ordem também influem neste processo. A
esse respeito, o imperialismo leva adiante uma verdadeira batalha de vida ou
morte para minar a influencia de Rússia e China na região e estabelecer sua
“nova” doutrina Monroe, através da dominação do Spectro Total, como dizia
Moniz Bandeira . A luta pela sua hegemonia incontestável, pelo controle
ferrenho de fontes de matéria prima e energéticos no continente, além da
dominação de importantes reservatórios de água potável, são a base da atual
ofensiva imperialista contra a América latina.
Semelhanças com o que fizeram no Oriente Médio não é mera coincidência:
Washington tenciona trazer o caos planejado para a nossa região, através das
chamadas “guerras hibridas”, ou seja, a intensificação de conflitos irregulares
e indiretos, como tem demonstrado o importante estrategista Andrew
Korybko. O papel desempenhado por exemplo, das igrejas neopentecostais nos
atuais golpes de Estado no continente, em muito se assemelham as atuações
fundamentalistas dos wahabitas sunitas islâmicos no Oriente Médio.
A militarização da região e o ascenso de agrupamentos fascistas tem sido
outro instrumento mobilizado pela Cia e Mossad atualmente. Para levar adiante a
espoliação radical de nossos povos, o grande capital imperialista tem de lançar
mão de seu reservatório fascista contra as organizações de luta da classe
trabalhadora e quebrar a resistência das massas.
A política de roubo e pilhagens do capital financeiro atualmente na
America latina, somente pode ser conseguido até suas últimas consequências,
através do terrorismo de Estado. O narco Estado colombiano é um modelo que os
imperialistas planejam generalizar. O crescimento das milícias bolsonaristas no
Brasil, suas relações com o narcotráfico, com as Policias Militares e com o
alto Comando das Forças Armadas é sintomático disso. As repressões selvagens
contra as massas no Chile e na Bolívia pelos golpistas fascistas, também são
exemplos do que pode se generalizar no continente, tendo como caldo de cultura
a intensificação da crise de dominação burguesa.
A América Latina Resiste!
Os povos latinoamericanos resistem bravamente aos bárbaros ataques
das burguesias nativas e do imperialismo. Os trabalhadores chilenos são um
exemplo a ser seguido por nossos povos. O recrudescimento das mobilizações
contra o carniceiro Sebastian Piñera tem colocado a burguesia pinochetista
chilena contra a parede e promovido uma verdadeira crise de dominação no país.
O povo boliviano, como em outros momentos históricos se levanta contra o
golpismo em seu país. Os golpistas lupens, verdadeiros peões da Casa Branca,
Jenine Áñez, “Macho” Camacho e toda a quadrilha que usurparam o governo
boliviano tem de promover um genocídio de fato contra as massas, para garantir
o roubo mais vil à nação em favor do capital estrangeiro.
Equador, Haiti e Argentina, dão mostras das tendências revolucionárias
do povo latinoamericano no próximo período.
No Brasil, a classe trabalhadora deste país precisa entrar em cena e por abaixo
a gerencia entreguista do bandido miliciano Jair Bolsonaro. Os trabalhadores
brasileiros podem desestabilizar o jogo de forças na região e arrastar a
America latina para um grande ascenso antiimperialista revolucionário; para
isso precisam romper a camisa de força de suas direções hegemônicas,
comprometidas com a estabilidade do regime burguês decadente.
De qualquer forma, não há no próximo período, qualquer sinal de
recuperação consistente da economia capitalista. Pelo contrário, o que se vê no
horizonte é o aprofundamento da crise estrutural e das consequentes
turbulências políticas, que podem de fato generalizar na America Latina, a
crise de dominação das burguesias nativas, fator que põe na ordem do dia a luta
anti imperialista e a revolução socialista continental, em direção a Grande
Patria Latinoamerica Socialista!
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